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terça-feira, 6 de março de 2018

O Serviço de Censura Postal do Corpo Expedicionário Português

O Serviço de Censura Postal do Corpo Expedicionário Português (CEP)

(contém o link para o Postal da Grande Guerra de 05 Mar 2018 - RTP Play - RTP)


O Arquivo Histórico Militar (AHM) é o fiel depositário da documentação histórica do Exército Português é também o guardião privilegiado da memória, da grandeza, da diversidade e do tesouro do seu acervo. O Fundo do CEP, está organizado e estruturado arquivisticamente, encontrando-se na 1ª Divisão/35ª Secção e encerra em si o maior e mais importante núcleo de documentação sobre a Grande Guerra em Portugal.

Cumpre ao AHM garantir a sua preservação, disponibilização e divulgação para que sirvam no presente, mas também continuem no futuro a perpetuar o esforço militar português na Grande Guerra (1914-1918).

A correspondência apreendida pela censura postal militar possui um grande potencial histórico-social para o investigador, tendo em consideração que se trata de uma documentação institucional, mas que inclui documentos pessoais, enquanto contexto de produção.

O conteúdo das cartas fornece-nos uma visão da guerra do ponto de vista do soldado (cidadão humilde), num formato diferente do documento oficial.

Através da correspondência particular apreendida pela censura postal militar ficamos a conhecer as desventuras dos soldados por terras de França;
O seu grande desagrado pela impossibilidade de gozar as licenças a que tinham direito;
As suas maquinações para fugir à guerra recorrendo a falsos pretextos;
As queixas sobre alimentação;
O clima rigoroso e as deploráveis condições de vida das trincheiras;
Mas também os seus namoros com as “mademoiselles” francesas;
O escárnio e a chacota humorística de situações da vida das trincheiras.

As cartas que os militares escreviam nas trincheiras aos seus familiares e amigos, bem como as que os mesmos lhes escreviam, transformaram-se, através de um mecanismo de captura (a censura) de documentação pessoal em institucional.

Neste conjunto documental é de salientar a existência de diferentes tipologias que permitem outros “olhares” sobre a Guerra, quer para os investigadores, quer para o público em geral. Para além das cartas, encontramos documentação administrativa que esclarece sobre o funcionamento orgânico dos Serviços de Censura Postal, e encontramos também relatórios que, neste contexto, atribuem àquela documentação uma outra função (recolha de informação e espionagem).

As limitações do controlo postal no seu contexto original

Tem de se conhecer a sua história e questionar a sua representatividade.

No que respeita aos níveis de alfabetização dos seus militares. É preciso lembrar que na época cerca de 70% na população adulta de Portugal era analfabeta (no caso dos homens, pois no caso das mulheres esse valor era ainda mais elevado), acrescendo ainda o facto de os soldados de infantaria portugueses serem na sua grande maioria camponeses.

A necessidade de ter outros soldados a escrever as cartas [e ter alguém em Portugal que as lesse para o destinatário] pode muito bem ter tido um impacto sobre a natureza da correspondência para além da habitual restrição de cartas em tempo de guerra, nomeadamente a presença do censor e o desejo de aliviar a ansiedade dos entes queridos, fornece, por si mesma, uma visão única do desenrolar do conflito e do seu quotidiano.

As possibilidades da censura Postal

Saber que se não fosse a Censura Postal Militar no CEP toda esta documentação censurada não existia e não seria possível recuperar esta informação valiosíssima.

Valorização da função do arquivos, dando uma nova e sustentada dimensão à memória social e à identidade nacional.

A censura postal era, na época, utilizada pela generalidade dos países aliados.

Certificar toda esta documentação como original e autêntica não existindo conhecimento nem prova documental que tivesse sido realizado um expurgo do Fundo do CEP.

A instauração da Censura Postal Militar

A instauração da Censura Postal Militar, organizada pelo Decreto n.º 2.352, logo a 20 de Abril de 1916[1].

A censura postal militar condicionava o debate sobre a Guerra, como não o tinha feito até então, foi uma espécie de reassunção de um decreto anterior, o Decreto n.º 1117 de 28 de Novembro de 1914, que tinha mandado instaurar a censura à imprensa em matéria de carácter militar.

As determinações legislativas sucederam-se, regulamentando a censura em vários aspetos práticos: o Decreto n.º 2.527, de 22 de Junho de 1916, estabeleceria o quadro de gratificações; o Decreto n.º 2.595, de 25 de Agosto de 1916, determinaria que toda a correspondência nacional não poderia utilizar outras línguas que não o português, o inglês, o francês, o espanhol e o italiano (impedindo-se, assim, o alemão); o Decreto n.º 2.793, de 22 de Novembro de 1916, cometia ao Ministério da Guerra a condução exclusiva dos Serviços de Censura.

Apenas a 26 de Abril de 1919, pelo Decreto n.º 25.455, foi extinto o serviço de censura postal militar, logo após a extinção da censura à imprensa publicada no mês anterior.

O Serviço de Censura Postal no CEP operava fundamentalmente em dois níveis, o da “Censura Regimental” e o da “Censura da Base”, que correspondiam à distribuição das tropas entre as linhas da frente e a base de retaguarda onde se situava o QG português e as designadas “Bases de Operações”.

Censura Regimental - A censura era feita diretamente em cada unidade ou formação, sendo em seguida a correspondência carimbada se a unidade possuía carimbo de censura, (ver Listagem de Carimbos) ou enviada à unidade mais próxima ou à censura de base, conforme os casos, quando a unidade não possuía aquele carimbo. Contudo, como se evidencia pela listagem em anexo, a esmagadora maioria das unidades e serviços do C.E.P. possuíam, cada uma delas, o seu carimbo. A censura era executada pelos oficiais das unidades expressamente designados para essa tarefa, nos termos do Regulamento de Censura. Toda a correspondência expedida pelos militares do C.E.P. estava sujeita à censura, com exceção do seu comandante.
Censura da Base - A censura da base era destinada à execução de todo o tipo de censura à retaguarda, exercendo ainda um controle sobre toda a censura regimental e, adicionalmente, era responsável pelas relações e troca de informações com outros serviços de censura postal de outros exércitos, nomeadamente o britânico, com o qual mantinha uma relação estreita.


Essa conexão aos serviços britânicos de censura postal ficou desde logo estabelecida, no momento da sua instalação aquando da chegada do C.E.P. a França: a “Censura da Base” estava instalada no mesmo edifício onde funcionavam várias secções da censura da base britânica em Boulogne-sur-Mer e os Serviço de Censura Postal do C.E.P. tinha acesso ao laboratório químico e fotográfico britânico para a deteção, por exemplo, de tintas secretas e outras eventuais ocorrências, com base num acordo estabelecido entre os comandos dos dois corpos de exército PT/AHM/DIV/1/35/77/3.

Além do controle sobre toda a censura regimental que era exercido por meio da “recensura” feita metodicamente sobre a correspondência proveniente de todas as unidades e formações, à “Censura da Base” competia ainda a censura da seguinte correspondência: a)- correspondência oficial; b)- sobrescritos verdes; c)- correspondência dos doentes em hospitais ingleses; d)- correspondência vinda de ou indo para países neutros; e)- correspondência vinda de ou indo para França; f) - correspondência para prisioneiros de guerra; g)- correspondência para a imprensa.

AHM/DIV/1/35/74
AHM/DIV/1/35/75
AHM/DIV/1/35/76
AHM/DIV/1/35/86

Unidades de instalação que acomodam a documentação obtida e produzida pelos Serviços de Censura Postal Militar, decorrente do mecanismo de captura de correspondência particular, agrupada em processos semestrais ordenados cronologicamente.

Postal da Grande Guerra de 05 Mar 2018 - RTP Play - RTP
https://www.rtp.pt/play/p4087/e334356/postal-da-grande-guerra#undefined.tijt.cmfs
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[1] Entrada de Portugal na Guerra, em 9 de Março de 1916


Joaquim José da Cunha Roberto