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terça-feira, 1 de setembro de 2015

Extinção do Laboratório Militar


Por ser tão evidente nos objetivos decidi publicar esta crónica de uma morte decretada
José A. Damas Móra
Coronel Farmacêutico
Director do LMPQF – 1993 -97
Em pleno mês de Agosto e a pouco mais de 1 mês das eleições legislativas, o MDN resolveu publicitar um projecto legislativo canhestro que visa extinguir o Laboratório
Militar. Não é sério! O assunto é importante de mais para as Forças Armadas, Farmá-
cia Militar, Família Militar e trabalhadores do estabelecimento para que se deixe passar sem uma reflexão e um grito de alarme!
É sabido que, durante a I Guerra Mundial, quando Portugal se tornou nação beligerante, as Forças Armadas estavam mal instruídas e mal equipadas. Não foi difícil ao Gen.
Norton de Matos verificar que, entre muitas outras deficiências, faltava um órgão que
assegurasse a logística farmacêutica e, como Ministro da Guerra, criou a Farmácia
Central do Exército (Decreto nº 3 864, de 16 /02/1918).
Chegado o tempo de paz, poderiam os governantes de então, extinguir aquele estabelecimento. Mas foram inteligentes e seguiram a velha máxima de que é “na paz que se
prepara a guerra”. É, assim que, durante a II Guerra Mundial (1939-45), a FCE esteve
com as FA portuguesas em missão de soberania nas Ilhas Adj acentes e estabeleceu delegações nas colónias, dando apoio logístico-farmacêutico aos contingentes destacados.
No intervalo entre as 2 guerras, a FCE, para além da sua valência de reabastecimento,
dedicou-se ao que hoje se chama I&D: elaborou a IV Farmacopeia Portuguesa (1935; 2ª
ed. em 1936) que ofereceu ao Estado e que ainda hoje é consultada (80 anos depois!) e
as primeiras unidades de indústria farmacêutica civis existentes em Portugal foram criadas por farmacêuticos que pertenceram aos seus quadros e nela trabalharam e aprenderam.
As necessárias adaptações do Exército ao pós-guerra trouxeram novas estruturas aos Estabelecimentos Produtores do Ministério da Guerra. Pela lei nº 2 020, de 19/03/1947,
aqueles EPMG passaram a designar-se Estabelecimentos Fabris do Exército (EFE) e a
FCE se transformou no Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos
(LMPQF), recebendo como legado todo o seu inestimável património, técnico, científico,
cultural e organizacional e edificado, bem assim como as tradições da Farmácia Militar Portuguesa. Os governantes de então tiveram a inteligência de manter o LMP QF.
Os EFE têm estatuto próprio: pertencendo ao Exército, têm autonomia administrativa, financeira
e patrimonial, constituindo aquilo a que o Prof. Marcello Caetano considerou como “institutos
públicos imperfeitos” (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed. revista e
actualizada por Diogo Freitas do Amaral, Livraria Almedina, Coimbra, 1980). Não dependem
do Orçamento do Estado e, por isso, têm de gerar receitas para a sua vida corrente, incluindo
vencimentos, manutenção e investimentos; as suas contas são controladas pelo Conselho Fiscal
dos EFE, sem prejuízo do visto final pelo Tribunal de Contas. Vivem do seu trabalho, da sua
marca (neste caso, “LM”), da sua produtividade e do cumprimento da missão. O edifício sede
do LMPQF foi por si mandado construir dentro dos padrões próprios da indústria farmacêutica,
satisfazendo às Normas de Bom Fabrico aceites internacionalmente. A construção e equipamento foram por si pagos integralmente. É património próprio e faz parte do seu capital social.
Durante os 14 anos que durou Guerra Colonial (1961 -75), o LMPQF esteve presente nos 3 teatros de operações abastecendo Unidades e Hospitais Militares dos 3 Ramos das Forças Armadas. Foi um esforço enorme para o pequeno número de farmacêuticos militares (somente do
Exército) quer a nível da produção de medicamentos e material de penso, quer do seu encaminhamento e entrega em destinos muitas vezes longínquos e sem transportes adequados. Foi consensual que, onde estivesse um militar, havia produtos “LM”. Finda a guerra, poderiam os
governantes de então, extinguir este estabelecimento. Mas, inteligentes e avisados,
mantiveram-no. Após a descolonização, o LMPQF assumiu a responsabilidade de
abastecer os hospitais civis da rede de saúde pública com medicamentos do Formulá-
rio Nacional de Medicamentos por si produzidos (Despacho conjunto de 29/11/1979).
Ainda recentemente, em Junho de 2013 , o Ministro de Saúde considerou o LMPQF como
alternativa à produção e abastecimento de medicamentos em casos de insuficiência no mercado,
quer por os produtos serem de baixo valor económico, quer por serem utilizados em quantidades
reduzidas, razão porque foram abandonados pela indústria farmacêutica privada, apesar de alguns deles serem indispensáveis no tratamento de algumas doenças. Estão neste caso, sobretudo, medicamentos para uso pediátrico. É também por este tipo de intervenções que o LMPQF
deve ser considerada uma unidade estratégica. É também estratégico no apoio permanente às
Nossas Tropas Destacadas no estrangeiro em missões internacionais de paz, abastecendo-as com
prontidão.
O LMPQF executa quase todas as actividades próprias da profissão farmacêutica: produção e
controlo de medicamentos e de material sanitário, seu armazenamento e distribuição, análises
clínicas e de águas, acções de controlo e desinfecção de blocos cirúrgicos, sanitarismo (desratizações e desinfestações). Tem definida uma política da qualidade e cumpre todas as complicadas e apertadas leis que regulam o medicamento, designadamente no que respeita a instalações
de produção, armazenamento e dispensa. Por outro lado, serve de Escola Prática para os oficiais farmacêuticos e os sargentos de farmácia. Está ligado , nas áreas de I&D, às Faculdades de Farmácia, ao INFARMED, à Ordem dos Farmacêuticos, a outras entidades públicas ou
privadas e, de um modo geral, à comunidade científica. Sempre dirigida por oficiais farmacêuticos do Exército, foi condecorado com a Medalha de Ouro de Serviços Distintos (Portaria de 16/
/2/1999) e com a Medalha de Alta Distinção da Academia Brasileira de Medicina Militar
(6/9/1967).
Em Fevereiro do ano passado, o despacho nº 2943/2014 do Ministro da Defesa Nacional
(21/2/2014) que concretiza a reforma do Sistema de Saúde Militar, vem “preconizar uma arquitectura funcional que concilia a manutenção de um apoio sanitário permanente e eficaz aos efetivos militares com a promoção da eficiência na gestão dos recursos, a aposta na qualificação
dos profissionais, a qualidade dos serviços prestados e a utilização do sistema e da sua capaci
dade instalada.” Dessa arquitectura, o despacho estabelece “que seja estabelecido, na dependência do CEMGFA através da Direção de Saúde Militar, o Laboratório Militar de Produtos
Químicos e Farmacêuticos (LMPQF) como único responsável pela aquisição, produção, armazenagem, distribuição e manutenção de material clínico, equipamento médico, medicamentoso e outros produtos de saúde necessários ao SSM e às Forças Armadas”.
É este património nacional e esta reconhecida capacidade produtiva, condições de armazenagem e gestão flexível e moderna (conforme se diz no projecto legislativo que ,
agora, pretende extinguir o LMPQF, espante-se!) que o ministro Aguiar Branco, que
assinou o despacho que coloca o LMPQF no Sistema de Saúde Militar, quer agora extinguir, na prossecução da sanha que tem posto em toda a “reorganização” das Forças
Armadas. Extinção é a palavra de ordem. Durante quase 100 anos o LMPQF cumpriu,
adaptou-se a todas as situações, esteve presente quer na guerra, quer na paz, sempre
servindo o País, as Forças Armadas e a Família Militar e sem pesar no Orçamento do
Estado.
A solução prevista no diploma em análise parece ser um artifício mal cogitado: em vez
de um instituto com uma estrutura organizacional expedita (com capacidade para responder responsavelmente e em tempo oportuno às necessidades das FA numa área logística altamente especializada, como é actualmente), repartem-se as suas missões e
funções por outras estruturas em que tais competências serão certamente diluídas e
operacionalmente complexas. Pese embora a pretensa “ótica de serviços partilhados
que o projecto legislativo preconiza, s erá que haverá alguém no Ministério da Defesa
que saiba qual é a legislação nacional e internacional que rege o sector farmacêutico
para propor a junção, numa mesma empresa, da Manutenção Militar e do Laboratório
Militar? Chouriços e medicamentos? E onde foram descobrir a vocação do IASFA para a dispensa de medicamentos através do que chamo de farmácias-pirata? Esperemos
que a hierarquia militar, o Ministério da Saúde, atravé s da Administração Central do
Sistema da Saúde e do INFARMED e a Ordem dos Farmacêuticos, possam esclarecer
o MDN da enormidade do erro que quer cometer.
E que alguém, inteligente e avisado, o trave a tempo!
Lisboa, 31 de Agosto de 2015


José A. Damas Móra
Coronel Farmacêutico
Director do LMPQF – 1993 -97
Em pleno mês de Agosto e a pouco mais de 1 mês das eleições legislativas, o MDN resolveu publicitar um projecto legislativo canhestro que visa extinguir o Laboratório
Militar. Não é sério! O assunto é importante de mais para as Forças Armadas, Farmá-
cia Militar, Família Militar e trabalhadores do estabelecimento para que se deixe passar sem uma reflexão e um grito de alarme!
É sabido que, durante a I Guerra Mundial, quando Portugal se tornou nação beligerante, as Forças Armadas estavam mal instruídas e mal equipadas. Não foi difícil ao Gen.
Norton de Matos verificar que, entre muitas outras deficiências, faltava um órgão que
assegurasse a logística farmacêutica e, como Ministro da Guerra, criou a Farmácia
Central do Exército (Decreto nº 3 864, de 16 /02/1918).
Chegado o tempo de paz, poderiam os governantes de então, extinguir aquele estabelecimento. Mas foram inteligentes e seguiram a velha máxima de que é “na paz que se
prepara a guerra”. É, assim que, durante a II Guerra Mundial (1939-45), a FCE esteve
com as FA portuguesas em missão de soberania nas Ilhas Adj acentes e estabeleceu delegações nas colónias, dando apoio logístico-farmacêutico aos contingentes destacados.
No intervalo entre as 2 guerras, a FCE, para além da sua valência de reabastecimento,
dedicou-se ao que hoje se chama I&D: elaborou a IV Farmacopeia Portuguesa (1935; 2ª
ed. em 1936) que ofereceu ao Estado e que ainda hoje é consultada (80 anos depois!) e
as primeiras unidades de indústria farmacêutica civis existentes em Portugal foram criadas por farmacêuticos que pertenceram aos seus quadros e nela trabalharam e aprenderam.
As necessárias adaptações do Exército ao pós-guerra trouxeram novas estruturas aos Estabelecimentos Produtores do Ministério da Guerra. Pela lei nº 2 020, de 19/03/1947,
aqueles EPMG passaram a designar-se Estabelecimentos Fabris do Exército (EFE) e a
FCE se transformou no Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos
(LMPQF), recebendo como legado todo o seu inestimável património, técnico, científico,
cultural e organizacional e edificado, bem assim como as tradições da Farmácia Militar Portuguesa. Os governantes de então tiveram a inteligência de manter o LMP QF.
Os EFE têm estatuto próprio: pertencendo ao Exército, têm autonomia administrativa, financeira
e patrimonial, constituindo aquilo a que o Prof. Marcello Caetano considerou como “institutos
públicos imperfeitos” (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed. revista e
actualizada por Diogo Freitas do Amaral, Livraria Almedina, Coimbra, 1980). Não dependem
do Orçamento do Estado e, por isso, têm de gerar receitas para a sua vida corrente, incluindo
vencimentos, manutenção e investimentos; as suas contas são controladas pelo Conselho Fiscal
dos EFE, sem prejuízo do visto final pelo Tribunal de Contas. Vivem do seu trabalho, da sua
marca (neste caso, “LM”), da sua produtividade e do cumprimento da missão. O edifício sede
do LMPQF foi por si mandado construir dentro dos padrões próprios da indústria farmacêutica,
satisfazendo às Normas de Bom Fabrico aceites internacionalmente. A construção e equipamento foram por si pagos integralmente. É património próprio e faz parte do seu capital social.
Durante os 14 anos que durou Guerra Colonial (1961 -75), o LMPQF esteve presente nos 3 teatros de operações abastecendo Unidades e Hospitais Militares dos 3 Ramos das Forças Armadas. Foi um esforço enorme para o pequeno número de farmacêuticos militares (somente do
Exército) quer a nível da produção de medicamentos e material de penso, quer do seu encaminhamento e entrega em destinos muitas vezes longínquos e sem transportes adequados. Foi consensual que, onde estivesse um militar, havia produtos “LM”. Finda a guerra, poderiam os
governantes de então, extinguir este estabelecimento. Mas, inteligentes e avisados,
mantiveram-no. Após a descolonização, o LMPQF assumiu a responsabilidade de
abastecer os hospitais civis da rede de saúde pública com medicamentos do Formulá-
rio Nacional de Medicamentos por si produzidos (Despacho conjunto de 29/11/1979).
Ainda recentemente, em Junho de 2013 , o Ministro de Saúde considerou o LMPQF como
alternativa à produção e abastecimento de medicamentos em casos de insuficiência no mercado,
quer por os produtos serem de baixo valor económico, quer por serem utilizados em quantidades
reduzidas, razão porque foram abandonados pela indústria farmacêutica privada, apesar de alguns deles serem indispensáveis no tratamento de algumas doenças. Estão neste caso, sobretudo, medicamentos para uso pediátrico. É também por este tipo de intervenções que o LMPQF
deve ser considerada uma unidade estratégica. É também estratégico no apoio permanente às
Nossas Tropas Destacadas no estrangeiro em missões internacionais de paz, abastecendo-as com
prontidão.
O LMPQF executa quase todas as actividades próprias da profissão farmacêutica: produção e
controlo de medicamentos e de material sanitário, seu armazenamento e distribuição, análises
clínicas e de águas, acções de controlo e desinfecção de blocos cirúrgicos, sanitarismo (desratizações e desinfestações). Tem definida uma política da qualidade e cumpre todas as complicadas e apertadas leis que regulam o medicamento, designadamente no que respeita a instalações
de produção, armazenamento e dispensa. Por outro lado, serve de Escola Prática para os oficiais farmacêuticos e os sargentos de farmácia. Está ligado , nas áreas de I&D, às Faculdades de Farmácia, ao INFARMED, à Ordem dos Farmacêuticos, a outras entidades públicas ou
privadas e, de um modo geral, à comunidade científica. Sempre dirigida por oficiais farmacêuticos do Exército, foi condecorado com a Medalha de Ouro de Serviços Distintos (Portaria de 16/
/2/1999) e com a Medalha de Alta Distinção da Academia Brasileira de Medicina Militar
(6/9/1967).
Em Fevereiro do ano passado, o despacho nº 2943/2014 do Ministro da Defesa Nacional
(21/2/2014) que concretiza a reforma do Sistema de Saúde Militar, vem “preconizar uma arquitectura funcional que concilia a manutenção de um apoio sanitário permanente e eficaz aos efetivos militares com a promoção da eficiência na gestão dos recursos, a aposta na qualificação
dos profissionais, a qualidade dos serviços prestados e a utilização do sistema e da sua capaci
dade instalada.” Dessa arquitectura, o despacho estabelece “que seja estabelecido, na dependência do CEMGFA através da Direção de Saúde Militar, o Laboratório Militar de Produtos
Químicos e Farmacêuticos (LMPQF) como único responsável pela aquisição, produção, armazenagem, distribuição e manutenção de material clínico, equipamento médico, medicamentoso e outros produtos de saúde necessários ao SSM e às Forças Armadas”.
É este património nacional e esta reconhecida capacidade produtiva, condições de armazenagem e gestão flexível e moderna (conforme se diz no projecto legislativo que ,
agora, pretende extinguir o LMPQF, espante-se!) que o ministro Aguiar Branco, que
assinou o despacho que coloca o LMPQF no Sistema de Saúde Militar, quer agora extinguir, na prossecução da sanha que tem posto em toda a “reorganização” das Forças
Armadas. Extinção é a palavra de ordem. Durante quase 100 anos o LMPQF cumpriu,
adaptou-se a todas as situações, esteve presente quer na guerra, quer na paz, sempre
servindo o País, as Forças Armadas e a Família Militar e sem pesar no Orçamento do
Estado.
A solução prevista no diploma em análise parece ser um artifício mal cogitado: em vez
de um instituto com uma estrutura organizacional expedita (com capacidade para responder responsavelmente e em tempo oportuno às necessidades das FA numa área logística altamente especializada, como é actualmente), repartem-se as suas missões e
funções por outras estruturas em que tais competências serão certamente diluídas e
operacionalmente complexas. Pese embora a pretensa “ótica de serviços partilhados
que o projecto legislativo preconiza, s erá que haverá alguém no Ministério da Defesa
que saiba qual é a legislação nacional e internacional que rege o sector farmacêutico
para propor a junção, numa mesma empresa, da Manutenção Militar e do Laboratório
Militar? Chouriços e medicamentos? E onde foram descobrir a vocação do IASFA para a dispensa de medicamentos através do que chamo de farmácias-pirata? Esperemos
que a hierarquia militar, o Ministério da Saúde, atravé s da Administração Central do
Sistema da Saúde e do INFARMED e a Ordem dos Farmacêuticos, possam esclarecer
o MDN da enormidade do erro que quer cometer.
E que alguém, inteligente e avisado, o trave a tempo!
Lisboa, 31 de Agosto de 2015

sexta-feira, 12 de junho de 2015

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Advogado ou deputado: uma opção de vida


OPINIÃO DE JORGE NETO PUBLICADa NO JORNAL PÚBLICO EM 01/04/2015

A exclusividade do deputado, a consagrar no estatuto do deputado, deve ser a regra relativamente a todas as profissões.
Sobre a discussão da (in)compatibilidade da profissão de advogado com as funções de deputado surgem a terreiro as vozes daqueles que, exercendo funções de representação parlamentar em Portugal e na Europa, procuram pressurosamente, e sempre sob o manto diáfano do politicamente correto, manter o statu quo. Não vá o diabo tecê-las e o novo estatuto poder vir a consagrar a proibição da acumulação da advocacia com o exercício da função de deputado, como vem defendendo, debalde e à outrance, a Ordem dos Advogados.Honni soit qui mal y pense…Falemos claro: esta é uma questão recorrente e os argumentos expendidos de um lado e de outro da barricada são incontornavelmente os mesmos de há 20 anos a esta parte: do lado dos proibicionistas joeira-se o arremesso da promiscuidade entre política e negócios, enquanto do lado dos situacionistas aduz-se o letal fundamento da funcionalização do deputado. Sem ademanes nem ditirambos de certos arautos da nossa praça, defendo, sem pestanejar, que idealmente o deputado deve exercer a sua nobre função em regime de exclusividade. Faço-o com particular conhecimento de causa, atento facto de ter sido deputado durante dez anos. E digo-o porque a dignidade, a especificidade e a responsabilidade da função dificilmente serão compagináveis com o exercício em part time do cargo. Não por razões erroneamente, mas amiúde invocadas de que o deputado teria um permanente conflito de interesses por poder legislar à tarde o que de manhã poderia concertar com o cliente. Não, não é por essa falsa razão.Só uma mente ignara, ou então uma percepção distorcida do papel do deputado e da sua atuação colegial no Parlamento, submetido a uma férrea disciplina de voto não raras vezes imposta pela direção política, é que pode lançar tal atoarda. Agora o que não podemos é aceitar que a exclusividade da função de deputado se aplique só aos advogados, sob pena de se criar o odioso sobre a profissão, sujeita a uma menorização aos olhos dos cidadãos. A exclusividade do deputado, a consagrar no estatuto do deputado, deve ser a regra relativamente a todas as profissões, sejam elas as de advogado, médico, economista ou jornalista. Ou será que estes estão imunes ao tráfico de influências, ao lobby e à corrupção?Neste cenário imediatista ou de curto prazo, não devemos, contudo, cruzar os braços, alterar umas minudências para enganar os incautos e no mais deixar tudo na mesma.
Penso que não. O cerne do debate deverá radicar, por ora, não na incompatibilidade da acumulação, mas sim no reforço e escrutínio dos impedimentos, com uma alteração específica do art. 83º, n.º 4, da proposta dos estatutos da Ordem dos Advogados, em que expressamente se consagre que os advogados deputados da Assembleia da República ou do Parlamento Europeu (porque não?) ficam impedidos por si ou por intermédio de sociedades de que sejam sócios de celebrar contratos de prestação de serviços jurídicos ou patrocinar ações em qualquer foro contra ou a favor do Estado e outras pessoas colectivas de direito público e, bem assim, sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou concessionários de serviços públicos. A questão é séria, porque há o risco não despiciendo de o advogado poder beneficiar do estatuto de deputado para angariar clientela, não por força do mérito pessoal, mas pela circunstância da função.
A solução legislativa afigura-se simples e cirúrgica. Mas esperemos que não se reedite a velha máxima do Leopardo de Lampedusa de que…"algo deve mudar para que tudo continue como está".